texto inteligente de angela rodrigues nas páginas do jornal de fato..leia!!

A SAUDADE NOS SALVARÁ!?…Adeus maio. Até o próximo giro do sol sobre a terra, quando, com fé Deus, poderei recebê-lo com um sorriso nos lábios, sem isolamento social, distanciamento e ausências físicas. Você vai levando a saudade de tudo que não podemos viver. Das coisas que deixamos de fazer e dos sonhos adiados. Adeus maio. Provavelmente não sentirei saudades você. A saudade já estava aqui e permanecem comigo. Não sei quanto tempo nos separa do reencontro com os familiares e amigos. Do abraço que tanto falta tem feito nestes dias de solitárias esperas. Das conversas em torno da mesa. Do almoço de domingo com a família. São tempos incertos. Cheios de esperas. Vazios de “certezas”. Não sabemos como será o amanhã. Quando tudo isso começou acreditei que ao final dessa travessia estaríamos mais fortes, empáticos e humanos. Que o isolamento nos transformaria em pessoas melhores. Cidadãos solidários. Hoje, apática e desanimada tenho impressão de haver romantizado a crise. Meu otimismo pode ter desconsiderado o lado obscuro da humanidade. Quanto mais ouço e leio sobre esse momento mais triste e desanimada vou ficando. Infelizmente o vírus que nos ameaça parece ser uma espécie de “depurador” que transforma esses dias em um “tempo de absoluta depuração”. Fico estarrecida diante da “ignorância” de alguns que continuam indiferentes a gravidade da situação e pregando a volta da “normalidade” para salvar a economia. Não consigo encontrar nenhum vocábulo que descreva o que sinto diante desse quadro assustador. Pessoas colocando em risco suas vidas e de outros por pura teimosia. Gente que dá as costas a ciência para seguir suas “convicções políticas”. Cientistas que negam suas histórias para apoiar teorias sem nenhuma sustentação. Enquanto uns lutam contra o vírus, outros vivem como se nada estivesse acontecendo. Dentro de mim grita uma pergunta que não sei responder – quanto temos de humanidade dentro de nós? O quanto somos capazes de nos colocarmos no lugar do outro? Nunca esteve tão claro que não dá para pensar isoladamente, que o “cada um por si e Deus por todos” não serve para ninguém. “Somos como mourões de uma cerca que só se mantem em pé porque são sustentados uns pelos outros”. O mundo não gira em torno de nosso umbigo. O coletivo é que importa, é o que sempre deveria ter importado. Nossas vidas dependem de outras vidas. Se não pensarmos no próximo, nenhuma vida dará certo. Sem percebermos a dinâmica da vida em sociedade, ninguém conseguirá estar a salvo ou se curar. Precisamos, urgentemente, de uma revolução. Não, não estou propondo uma luta armada, ao contrário, o que menos precisamos, hoje e desde sempre, é de uma intervenção bélica. O que precisamos é de uma revolução das sensibilidades. Uma revolução interior. Mudança de hábitos e atitudes que nos libertem do ódio. Do egoísmo. Do preconceito. Da indiferença. Da soberba. Uma batalha contra tudo que nos paralisa e nos impede de ver o outro e nele percebermos nossa completude. Precisamos de uma revolução que nos arrebate das mesmices que nos trouxeram até aqui. Que nos fizeram acreditar no supérfluo e esquecer o essencial. Creio que ainda não é demasiado tarde para voltarmos nosso olhar as coisas importantes, aquelas pelas quais vale a pena lutar. Ainda podemos nos debruçarmos sobre a complexa simplicidade que ressignifica as coisas a nossa volta. Ainda podemos extrair a beleza das coisas comuns e nos entregarmos, de forma sincera, a encantadora descoberta de um mundo onde a sensibilidade não será encarada como fraqueza, mas como uma poderosa arma contra a destruição da humanidade. Talvez por continuar acreditando que toda essa tristeza vai passar e nos ensinar alguma coisa, ainda guardo a esperança que essa carga de saudade, acumulada nesse período de isolamento, possa ser o princípio gerador dessa revolução. A munição necessária para revolucionarmos nossas vidas. Quem sabe a saudade não nos mostrará o caminho das mudanças?!… Essa saudade, essa fome de presença, pode nos ensinar o quanto a presença do outro é fundamental para nossa vida e para construção de uma sociedade humanamente saudável. Tenho fé que ao final dessa travessia teremos aprendido a valorizar o tempo e tudo que ele representa. Que tenhamos percebido que todo encontro, por mais rápido e corriqueiro que seja, deve ser uma experiência de afeto. Quero, apesar de tudo e de todos, acreditar que ainda encontraremos força para sorrir, abraçar, contemplar as coisas simples e valorizar o que realmente importa. Quem sabe, as muitas perdas não nos ensinem a valorizar o que temos? Tenho esperança de que a dor do adeus não compartilhado nos ensine o valorizar aqueles que permaneceram conosco. Que a tristeza nos ensine que a alegria nasce na entrega verdadeira e honesta. A verdade é que não estou certa se sairemos melhores ou piores, mas creio que nunca mais seremos os mesmos. “Nada do que foi será…”. Já somos outras pessoas. O que faremos com isso continua sendo uma grande incógnita. Li em algum lugar que “a saudade é o que faz transbordar a nossa melhor versão”. Logo chegará a hora de verificarmos a veracidade dessa assertiva. Estamos em fase de experiência. Continuamos no laboratório expostos, diuturnamente, a uma exagerada dose de saudade. De tudo. De muitos. Até de nós. O resultado dessa exposição só será visível quando voltarmos ao convívio com o outro. Será que a saudade vai transformar o mundo?