A MESMA PRAÇA, O MESMO BANCO, OUTRO OLHAR…Ângela Rodrigues Gurgel

LEIAM..É INTELIGÊNCIA PURA!!

A MESMA PRAÇA, O MESMO BANCO, OUTRO OLHAR…

Ângela Rodrigues Gurgel

Autora de Ensaio Poético e Confissões Crônicas, idealizadora da confraria Café & Poesia.

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Ele ficava bem no meio de meu caminho. Indiferente não lhe dedicava um olhar mais demorado. Um significado maior. Via-o, mas não percebia seu valor. Um dia, não sei por que, olhei-o demoradamente e senti vontade de parar e ficar ali. Talvez tenha sido vencida pela sensibilidade que, inescapavelmente, nos alcança. Afinal, jamais conseguiríamos “compreender” o mundo ignorando nossos sentidos; então, o que não é notado, sentido e percebido, simplesmente não é. E aquele banco é.

Sabemos que as cidades sofreram uma série de transformações que modificaram as relações espaço-temporais entre os sujeitos. Mas, indiferente a essas transformações, havia um banco no meio do caminho. No meio do caminho havia um banco que me olhava e não parecia fatigado ou estranho em seu lugar, apesar de solitário.

Senti vontade de sentar-me e olhar a rua, frenética, tentando acelerar os ponteiros do tempo.

Sentada naquele banco permiti-me olhar a cidade com calma. Vi a cortina do tempo rasgar-se diante de meus olhos e, de repente, não tinha nenhuma pressa. Deixei-me abraçar pelo vento e banhar-me pelo sol que, naquele dia, estava mais ameno, coisa muito rara em minha cidade. Os pensamentos vagaram livremente. O frenesi, causado pelo vai e vem de pessoas e automóveis, não me alcançava. Estava em paz. Ignorei os olhares estranhos direcionados a mim. Sim, as pessoas estranham quem, nos dias de hoje, senta-se nos bancos da praça. São tempos estranhos, cheios de perigosas armadilhas.

Mas quem vai se importar com isso em plena manhã de abril, sentada em um banco tão acolhedor? Talvez por ter resistido tanto ao convite, o momento tenha ganhado mais significação. Não pensei nos perigos de uma abordagem inesperada e mal-intencionada. Nada parecia ser capaz de roubar aquele momento de imersão e tranquilidade. Tudo que eu queria era enxergar mais distante, ver além do óbvio. E não seria exagero dizer que, ao mesmo tempo que via um cotidiano cheio de imagens aceleradas e sem permanência, por outro lado sentia um prazer enorme em olhar os prédios à minha volta e não apenas constatar o que se via, mas “experienciar” sua estética, suas formas, sua importância para vida da província.

De olhos fechados vi aquela rua, cheia de carros velozes, como os muitos caminhos que percorremos ao longo da vida, sempre aligeirados pela pressa cotidiana que nos rouba o tempo de olhar ao redor e perceber as belezas miúdas. Temos cometido o pecado da inversão. Dedicamos nosso tempo às coisas “urgentes” e não percebemos que as urgências estão roubando a beleza de nossos “agoras”. Enchemos nossas agendas de compromissos inadiáveis e nos esquecemos de viver o improrrogável e inadiável momento. Estamos tão automatizados que nem percebemos o quanto as coisas que aprisionam a poesia, roubam a leveza, o afeto e a liberdade nos cansam e roubam o brilho de nosso olhar. A sobrecarga das coisas que nos “obrigamos” a ignorar vão somando-se a outras e, quando menos esperamos, estamos vazios de simplicidade, de poesia, de vida, de nós mesmos. Curvados às pressas, não nos sentamos para viver a indecifrável necessidade do ócio.

Ali, no meio do nada, vi-me pensando em tudo e percebi que tinha muita pressa que aquele tempo não passasse. Que os ponteiros desacelerassem, e eu pudesse olhar com mais cuidado o percurso, selecionando os caminhos e cuidando com afeto de meus passos… Afinal, o lugar que mais almejo chegar é um encontro comigo mesma, e essa viagem não pode ser feita com pressa. Preciso olhar, cuidadosamente, as paisagens, os arredores e o outro, pois somos todos viajantes e, também, caminhos por onde outros viajam.

Demorei-me ali, com olhos garimpeiros, sem nenhuma urgência, decidida a pousar o olhar, demoradamente, nas coisas que me dão prazer e me motivam a seguir em frente, apesar de tudo que ficou para trás.

Senti, de repente, uma preguiça enorme de sofrer cansaço do tanto de dor que já carreguei, de tanta saudade das coisas que não podem ser levadas na bagagem. Tudo que eu queria, naquele momento, cabia dentro de mim e não me causava nenhum cansaço.

Sem nenhuma pressa levantei-me e caminhei em direção ao meu destino… Naquele momento tinha urgência de livrar-me das pressas desnecessárias. Das ligeirezas que precipitam a duração das horas e roubam nosso tempo, mas não conseguem devolver deixamos de ver e viver.