LEIA COLUNA ESPECIAL DE ÂNGELA RODRIGUES -JORNAL DE FATO ..
A DIFÍCIL ARTE DE CONVIVER EM GRUPO

Ângela Rodrigues Gurgel
Autora de Ensaio Poético e Confissões Crônicas, idealizadora da confraria Café & Poesia.
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Segundo Aristóteles: “o homem é, por natureza, um animal social”. Entretanto, a sociabilidade não é algo natural, inato. Conviver com o outro é um exercício diário. Um experimento que nunca se completa, uma aprendizagem constante e contínua que parece, cada vez mais, uma atividade complicada, difícil de ser praticada. Parece que estamos cada dia mais apressados, intolerantes e indispostos a olhar o outro com respeito e empatia. Essa dificuldade, que é facilmente percebida nas famílias, no trabalho, nas escolas, nas filas, no trânsito, fica ainda mais evidente nos grupos/mídias sociais. Fazemos postagens “fofinhas” para, em seguida, dispararmos veneno quando nos sentimos “atingidos” por alguma postagem. 

Não há como conviver em grupo sem respeitar aqueles que estão ao nosso redor ou as regras de cada espaço de convívio. Não podemos esquecer que este mesmo espaço é compartilhado com outras pessoas, portanto temos que respeitar essa diversidade. O diálogo entre os diferentes é necessário e oportuno, mas quando se trata das redes sociais é mais saudável observar e respeitar o objetivo dos grupos e as páginas que visitamos. Isso evita constrangimentos e, acima de tudo, aborrecimentos. 

Esta semana li uma reportagem sobre dois irmãos que são candidatos por partidos com ideologias divergentes. O que mais me chamou atenção foi o respeito entre eles. Desde sempre têm posicionamentos opostos, mas, em família e nas redes sociais, não há espaço para “discussões”. Cada um segue com sua ideologia sem brigas ou agressões. Como isso é possível? Respeitando e amando. Ambos respeitam os espaços comuns e não conversam sobre o único assunto que os coloca em lados opostos – a política partidária. Um não vai as redes sociais do outro fazer comentários agressivos, nenhum deles publica seus materiais de campanha nos grupos de família ou outro espaço comum aos dois. Um belo exemplo de como é possível defender nossas posições sem agredir ou desrespeitar quem quer que seja. Um exemplo a ser seguido, não apenas no núcleo familiar, mas em todos os espaços de nosso convívio. 

Aprendi, ao longo da vida, que é a partir das relações em grupo, desempenhando papéis em nossa rede social, que nos desenvolvemos e nos tornamos capaz de lidarmos com a diversidade. É nessa rede de relações que vamos aprendendo, sendo afetado e afetando aqueles que estão em nosso entorno, (re)formando conceitos e fortalecendo nossos valores, elaborando, assim, diferentes formas de colocar-se no mundo. No entanto a sensação que tenho é que estamos vivendo nosso “Dia de Fúria”. Andamos estressados, indiferentes, apressados e sem o mínimo de paciência para olhar o nosso entorno, ouvir o outro sem emitir julgamentos apressados, apontando o dedo antes de estender a mão. Estamos mais interessados em condenar do que em descobrir nossa parcela de responsabilidade na “construção do problema”. 

Mikhail Saltykov-Stcherdrine (1826-1889), escritor russo, disse: “Há épocas em que a sociedade, tomada de pânico, se desvia da ciência e procura a salvação na ignorância”. Estaríamos vivendo tal época? Os dias atuais, marcados por uma crescente fragmentação, provisoriedade e imediatez, parece nos dizer que sim. As mudanças são cada vez mais velozes, tornam a “verdade” fragmentada e, quase sempre, distorcida para atender os interesses de cada um. Os tempos são líquidos, complexos e difíceis. São tantos retrocessos, ameaças ao estado de direito, intolerância, desrespeito aos direitos individuais, negação da alteridade e da própria história que a cultura do narcisismo fica cada vez mais evidente e apavorante. 

Não seria a hora de seguirmos o que nos diz Santo Agostinho, em Confissões, IV,8-13: (...) Outras coisas havia em meus amigos que me atraíam e cativavam: conversar e rir juntos; servir-nos uns aos outros; ler em comum bons livros; fazer pilhérias e elogios recíprocos; discordar algumas vezes sem rancores nem querelas – como discorda um homem de si mesmo – e, na rara discordância, amadurecer o frequente consenso, ensinar-lhes e deles aprender, sentir saudades dos ausentes e recebê-los com alegria ao voltarem. Com esses gestos e outros semelhantes que brotam do coração dos que amam e são amados, que se manifestam pelo rosto, pela boca, pelos olhos e por outras mil agradáveis expressões, como faz o fogo com os combustíveis, se fundem as almas, e de muitas se faz uma só (...)?